sexta-feira, 23 de maio de 2008

"Zesus" - ecce homo

Quinta-Feira, 22 de Maio de 2008, Dia do Corpo de Deus, epíteto popular onde o sagrado é esquecido. Uma missa criada na Idade Média para reforçar o papel da Eucaristia durante o ritual litúrgico, logo, reforçar o papel de Cristo na celebração católica deveria ser, por isso, chamada de Corpus Christi, missa do Corpo de Cristo. O uso popular da expressão "Missa do Corpo de Deus" adulterou por completo o propósito desta celebração. Parece um pormenor sem importância, mas à medida que cresce a minha distância em relação à Igreja Católica, cresce, de igual modo, a minha admiração por esta instituição e por todo o universo por ela criado e que à volta dela gravita. Na cosmogonia judaico-cristã o uso da Palavra é sagrado. Foi através dela que Deus criou o mundo e todas as coisas nele existentes. E o esforço contínuo da Igreja em educar os seus fiéis na celebração da fé cristã através de rituais altamente simbolizados permitiu a absorção da Palavra através de gestos e figuras, mais ou menos sagradas, de uma forma bastante eficaz. Nessa perspectiva, a missa do Corpo de Deus transformou-se na celebração de fé dos iniciados da religião católica aglutinando-se a importância da Eucaristia com a necessidade de renovação.
A minha experiência nesse meio acabou por ser de desilusão. Acabei por constatar que, mais do que uma necessidade de fé, a comunhão se transformou numa necessidade social. O próprio sacerdote chamou a atenção para este facto (apesar de alguma dificuldade na pronúncia do "j"), exortando a mensagem de “Zesus” em detrimento do materialismo contemporâneo. Achei pertinente semelhante observação, enquanto reparava no magnífico trabalho de restauro efectuado na igreja. A talha dourada, a estatuária, o tecto repleto de retratos dos mais variados santos católicos, o altar adornado com microfones “hi-tech” e um cadeirão que o próprio Papa se deteria a admirar por alguns instantes. Por momentos, imaginei-me na primeira missa celebrada neste espaço e onde foi apresentada ao povo a nova decoração. Imaginei os olhares de espanto, as lágrimas a escorrer pela cara de muitas almas devotas e a satisfação e orgulho da comunidade em mostrar uma igreja digna de Deus ao resto do mundo, o que no séc. XVIII significava aos concelhos vizinhos. A minha desilusão prendeu-se, sobretudo, pelo alheamento dos presentes na celebração da liturgia e na leitura das Escrituras. E, a acreditar na salvação da minha alma, prefiro que ela seja feita através de actos baseados na Palavra e não na Palavra baseada em actos. Para o bem e para o mal, qualquer escrito é pensado e esse valor ninguém o pode retirar.

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