Sentir ou não sentir?

Como é possível alguém olhar assim? Como é que Deus teve a coragem de dar a alguém olhos que são capazes de partir uma alma ao meio? Pára - desvia a cara. Foge! Deixa-me! Não senti nada! Eu não consigo imaginar-me com sentimentos. Não consigo imaginar-me a sentir. Mas como é possível alguém não sentir nada face a duas lagoas de um verde sobrenatural? Que animal sou eu? Que besta me criou insensível e temeroso de um anjo que me estende uma mão e afaga com a outra?

Tu sentes! Escarnas de mim, sem o saber. Declaras os teus sentimentos como quem escreve uma carta de amor sem destinatário. Eu só me lembro dos teus olhos verdes - abertos e profundos - à espera de um gesto digno deles.

-"És um diamante em bruto à espera de ser lapidado", dizes-me. Sorrio e reflicto nas tuas palavras. A minha resposta não podia ter sido mais cruel: "Estou à espera de um milagre".

Um milagre? Tens à tua frente a prova de que Deus ama a beleza na sua forma mais pura, mais sincera e equilibrada e ainda pedes um milagre?

Não mereço respirar o mesmo ar que tu. Afasto-me para não te poluir com o bolor que infecta o meu coração. Despedi-me de ti com a imagem da dama de ferro usada como instrumento de tortura. Expliquei-te, em detalhe, como os ferros atravessam o corpo da vítima sem atingir nenhum orgão vital, provocando dores atrozes e permitindo que esta viva durante dias. Fecho a boca com repulsa de mim próprio. Tu, em jeito de carinho, sorris. Percebeste. Fecho a porta e vou-me embora.

Em confidência, diz-me um amigo: "Tiveste à tua frente um anjo. Possivelmente, no futuro, tenhas o anjo." Sempre demasiado optimista, tu.